quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Fernanda “Normal” Torres


O All Star enfiado nos pés de Fernanda Torres (cinza, cano curto, a meia na altura do tornozelo) é suficiente para desfazer velhas frases feitas: de perto, ninguém é anormal. A atriz está lançando Os normais, longa dirigido por José Alvarenga que estreou na última sexta, pegando carona no sucesso da série da TV. Está animada com o negócio, acha que vai dar pé. Diz que se o público se divertir como ela se divertiu, o jogo está ganho. Fernanda não é exatamente bonita, mas alguma coisa a faz parecer com a namorada que a gente gostaria de ter. Talvez o jeito de falar atropelando as palavras, talvez a forma de combinar peças de roupa aparentemente inconciliáveis. Aprendeu a rir de si mesma, uma qualidade que não se deve jogar fora. Tira partido, com inteligência, de suas contradições. Fernanda sabe ser sofisticada e vulgar, lúcida e apaixonada. Normal.
Mais ou menos comoVani, sua personagem no filme. “Ela é o retrato da moral do brasileiro. Aberto e conservador ao mesmo tempo. Alguém que faz questão de casar na igreja mas não abre mão de uma experiência com sexo grupal. Sou ansiosa como a Vani, mas espero ter um pouco mais de classe”, explica. Fernanda foi Vani durante três anos, exatos 71 episódios. Um sucesso surpreendente, ela própria admite que quase caiu pra trás com os primeiros números do Ibope. Não sem razão. O programa ocupou as noites de sexta-feira, no ingrato horário das onze e tantas da noite. Logo depois do Globo Repórter. A impressão de que as coisas dariam certo chegou com a notícia de que os quatro primeiros episódios, que ainda nem haviam sido levados ao ar, estavam sendo contrabandeados dentro da emissora. Dos diretores aos boys, todo mundo queria ver.
“Funcionava melhor quando o Globo Repórter falava sobre assuntos ligados a sexo. Mas teve um dia em que eu cheguei em casa e eles estavam mostrando uns biólogos em busca do sapo de pijama. Quando encontraram, o bicho tinha mesmo umas listrinhas que nem um pijama. Eu pensei, ‘Caramba, estamos ferrados, depois dessa todo mundo já foi dormir'. Mas mesmo aí nosso Ibope foi legal. Se sobrevivemos ao sapo de pijama, não havia mais nada a temer”, ri.
Os normais não foi para o brejo junto com o pijama do sapo e sobreviveu a toda ziquizira das noites de sexta. Virou DVD, livro e agora filme. Por trás disso, há o entrosamento do elenco com o texto redondo de Alexandre Machado e Fernanda Young. Os dois, casados na vida real, são craques na percepção da classe média. Misturam fixações de adolescentes, baixaria, filosofia oriental, pizza a domicílio, American pie e referências a programas de TV. Sexo, predominantemente. Fizeram da intimidade a chave para identificar Vani e Rui (Luiz Fernando Guimarães) com o espectador.
Fernanda Torres é atriz. Deve ter descoberto isso quando se deu conta de que em sua certidão de nascimento constavam, como pais, Fernando Torres e Fernanda Montenegro. No cinema, estreou em 1983 com sucesso em Inocência, de Walter Lima Jr. e emendou com o prêmio de melhor atriz em Cannes, em 1986, por Eu sei que vou te amar, de Arnaldo Jabor. Fez ainda produções como Marvada carne, de André Klotzel, O que é isso companheiro?, de Bruno Barreto, e Terra estrangeira, de Walter Salles. Tem talento e peito. Mais o primeiro que o segundo. “Eu sou muito satisfeita comigo mas o vestido de casamento usado de Os normais me deixou uma chapa. O da Marisa Orth não, seus seios estão servidos numa bandeja. Eu olhava para ela com toda aquela comissão de frente e imaginava como um homem a trocaria por mim”. Luiz Fernando Guimarães trocou. O ator está acostumado a contracenar com Fernanda há quase 20 anos. No teatro, fizeram espetáculos bem-sucedidos como 5 X Comédia. O programa de TV é a cereja no bolo da parceria. “Não basta sermos amigos, tem que haver alguma coisa a mais. Às vezes adoramos uma pessoa e em cena o negócio não encaixa. Com Fernanda, tudo encaixa”, avalia Luiz Fernando.
A fidelidade entre os dois é um traço pouco marcante no relacionamento entre Rui e Vani. Ao longo da série, os dois personagens viveram momentos de turbulência, dúvidas, impaciência, infidelidade até. Mas, cedo ou tarde, acabaram voltando a ficar juntos. O truque é esse, mostrar como todos — aí incluindo o espectador — podem ser iguais nas diferenças. Mais ou menos como a comprovação de que sempre haverá alguém para comer o pepino do nosso BigMac. O filme mostra o início desse relacionamento, uma história iniciada com casamento, chuva de arroz, marcha nupcial e infidelidade.
“Gargalhômetro” — O diretor José Alvarenga gosta de dizer que tem lá seus métodos para sentir o sucesso de uma comédia, um gargalhômetro particular. Se um filme consegue arrancar pelo menos seis gargalhadas do espectador (“daquelas de cutucar a pessoa na poltrona do lado, não importa quem seja”), tem 80% de chance de dar certo. Alvarenga diz, como exemplo, que Quem vai ficar com Mary?, de Peter Farrely, uma comédia que adora, atinge o índice. Por essa lógica, Os normais tem muita chance de ter sucesso também. O que não quer dizer que o filme seja 80% bom.
O roteiro de Alexandre Machado e Fernanda Young vai buscar o momento em que os personagens da série de TV se conheceram. Rui está se casando com Martha (Marisa Orth) e Vani está se casando com Sérgio (Evandro Mesquita). A opção permite uma série de piadas — algumas realmente engraçadas — sobre a cerimônia de casamento e seus rituais, como a chuva de arroz e arremesso de buquês. Funciona. Mas é capaz de frustrar muitos fãs da série, aqueles que gostavam das cenas de intimidade do casal.
Mas Os normais funciona melhor com os dois pés no chão. Na graça do cotidiano. Quando consegue achar o tom do seriado, aquele que transforma pequenas coisas do dia-a-dia em grandes achados, o filme é simplesmente sensacional. É ali, quando acha a graça na banalidade, que Os normais é realmente anormal. Acima da média.

Fonte:CadernoD

Fernanda Torres "Inocência Pura"


Fernanda Torres "Kuarup" O Brasil em Cannes

1989