sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

As Fernandas "Dupla dinâmica"

Entrevista 05/2005 Revista Isto é Gente

Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, que contracenam no longa Casa de Areia, de Andrucha Waddington, e filmaram dois meses isoladas nos Lençóis Maranhenses, falam do trabalho juntas e contam histórias de mãe e filha


De sete em sete anos, faremos alguma coisa juntas” – a frase, em tom de profecia, é uma brincadeira feita entre Fernanda Montenegro e Fernanda Torres. Mãe e filha, ambas atrizes, e talentosas. Fernandona, como é apelidada carinhosamente por seus colegas – inclusive o genro Andrucha Waddington –, diz que toma cuidado para que ela e Nandinha, como chama a filha, não formem uma “dupla de nhém-nhém-nhéns”. “Não tem nhém-nhém-nhém no set, ou no palco. Estamos ali porque, antes de sermos mãe e filha, filha e mãe, somos gente de ofício que tem possibilidade, know-how, e, sem falsa modéstia, talento”, diz a atriz de 75 anos. O “sétimo ano” chegou com Casa de Areia, filme que estréia dia 13 de maio, em que mãe e filha contracenam dirigidas por Andrucha Waddington, marido de Fernanda Torres. “Se ele tem essa temática de mãe e filha que se alternam ao longo do tempo e tem uma sogra atriz e uma filha atriz, não poderia chamar outras pessoas porque seria um preconceito às avessas”, diz Fernanda Montenegro. “É alto nepotismo”, brinca a filha. E continua a galhofa, dizendo que já pensou em pôr anúncio no jornal para oferecer o trabalho das duas: servem para passado, presente e futuro, funcionam como parente, a mesma pessoa...

Mas, de fato, são poucos os trabalhos em que contracenaram: a novela Brilhante (1981), as peças The Flash and the Crash Days (1991) e Da Gaivota (1998), e cenas breves do filme Gêmeas (2000). “A surpresa aqui é a família fazer parte da família de opção, que é a das artes. É um privilégio, porque eu conheço a mamãe numa intimidade profissional que às vezes é maior do que a intimidade familiar”, diz Fernanda Torres. À parte o talento, Fernanda Montenegro admite que ser mãe e filha ajuda a fazer o papel de mãe e filha. “Se eu estou junto com a Nandinha, e ela comigo” – a atriz sempre faz questão de falar as duas vias, mãe e filha, filha e mãe – “já tem meio caminho andado”, diz. “Há uma cor de pele, um som que sai da boca, um tipo de olhar, uma piscada, que já está.”

No dia-a-dia, no entanto, elas têm dificuldade de estar juntas. Fernanda Montenegro tem a carreira e o marido, Fernando Torres, para cuidar. Fernanda Torres prioriza o trabalho e a família – o marido Andrucha, o pequeno Joaquim, de 5 anos, e os dois filhos de Andrucha, João, 12, e Pedro, 10, que passam semana sim, semana não com o pai. “A nossa intimidade é muito próxima por telefonemas”, diz Fernandona. “Mas não tem essa de: ih, esqueci de ligar para minha mãe. E no fim das contas a gente acaba se falando todo dia.” Mas se ver é outra história. Às vezes passa um mês sem que se encontrem. Por isso, elas confessam que adoraram trabalhar juntas.

Casa de Areia proporcionou bem mais que isso. Foram dois meses isoladas num vilarejo no meio das dunas dos Lençóis Maranhenses. “O Andrucha é um bandeirante, é a reencarnação de um daqueles caras que fizeram a estrada de ferro na Sibéria. Foi uma aventura”,
diz a atriz de 39 anos, que mal viu o marido fora das filmagens. Dormiram até em casas separadas. Todos acordavam às 4 horas da manhã, rodavam das 5h às 10h, paravam de 10h às 13h, e trabalhavam até as 18h. O banho demorava uma hora, para tirar maquiagem, areia do cabelo e do corpo. Os dias de folga eram um tormento ainda maior. “Para quê? Para ir aonde? Fazer o quê?”, desespera-se Fernanda Montenegro ao recordar. Pelo menos, Fernandinha tinha a companhia do filho, e Fernandona, do marido. Visitavam-se. “Comprei umas tintas a óleo, como terapia ocupacional. Fui pintar o papai um dia”, conta Fernanda Torres. Joaquim despiu-se das manhas da cidade. “Ele foi virando um curumim. Aprendeu arco e flecha e fez amigos incríveis. Até hoje ele fala do Maranhão”, diz sua mãe. As duas também têm saudades.

De volta ao Rio, a correria se instalou. Por isso, quem sabe vingue a idéia jocosa de Fernandinha de ter um estacionamento em sociedade com Fernandona. “Mãe, a gente põe uma foto grande sua e escreve: Deixa comigo!”, gargalha. Ou, quem dera, a profecia esteja errada – e elas não precisem esperar sete anos para voltar a contacenar

Ser filha de Fernanda Montenegro é...
Nunca ter que pedir perdão. Mesmo quando falta à festa de Natal, Ano Novo, Dia das Mães, Dia dos Pais, Páscoa. “Não pode aparecer no Natal, não tem problema. Não pode no Ano Bom, não tem problema. Dia da Mãe e do Pai é bobagem. Só que, se ela dá um telefonema, ou aparece, é uma festa”, diz Fernanda Montenegro. “Mas está liberada.” No entanto, as coisas vêm mudando. “O Natal está se oficializando como nos velhos tempos”, diz Fernanda Torres. “Mas isso veio com o tempo”, replica a mãe.

Ter visto a mãe fazendo conta no lápis toda noite, depois dos espetáculos teatrais. “Teatro é igual a vender verdura. As pessoas
dão aquele monte de trocados. Papai voltava com aquele bolo de dinheiro, e eles contavam na mesa de jantar”, diz Fernandinha. Havia uma máquina de calcular, nunca utilizada. “Mamãe é do século retrasado”, diz a atriz. “Sou mesmo. Lembrei que, quando nasci, a escravidão tinha acabado havia 50 anos. Disse: Jesus, eu sou do século 19!”, ri Fernandona.

Nunca ter tido batedeira, nem máquina de lavar prato. “Moro numa casa com três crianças (Joaquim, 5 anos, mais os dois filhos de Andrucha, João, 12, e Pedro, 10, que passam uma semana com o pai e outra com a mãe) e botei uma máquina de lavar prato. Mamãe dizia: isso não tem serventia. Mas a empregada me agradece todo dia”, conta Fernandinha. “Antes de botar a louça na lavadora não tem que limpar tudo? Seria bom se botasse lá dentro e até separasse prato de talher. Mas não, você tem que organizar. Ah, Deus me livre”, diz Fernandona, que garante não ser consumista, apesar de levar uma vida confortável. “Tenho profunda desconfiança dessa maquinária
toda porque ela acaba jogada no fundo de um armário. Tenho uma batedeira agora, mas é muito mais rápido bater na mão, porque precisa armar a batedeira e depois lavar pecinha por pecinha. Vai
uma tarde nisso”, diz Fernandona.

Aprender a dirigir numa Kombi, que era o carro que os pais tinham, pois eram produtores de teatro.

É ter feito a primeira viagem para fora na mesma ocasião em que
a mãe foi pela primeira vez ao Exterior. A primeira foi para Macchu Picchu. “Na segunda, foram 45 dias por toda a Europa, Nova York
e Disneylândia, com duas crianças e uma babá”, diz Fernandinha.
“O máximo de tempo que ficamos foram quatro dias em Paris”, completa a atriz.

Ser mãe de Fernanda Torres é...
Saber que a filha tem vocação para artesanato. “A Nanda sempre foi dinâmica. Às vezes eu ouvia um barulhão no quarto dela, e ela estava mudando os móveis de posição”, diz Fernandona. “Ela fazia tapete, pão, com 9 anos batia massa de bolo e saía perfeito”, afirma a atriz. “A feira hippie que me aguarde”, brinca Fernandinha.

Nunca ter exigido que ela fosse boa em competições. “Qualquer
15º lugar estava ótimo. Nunca disse: vai fazer ginástica. Se não quer, não faça”, diz a mãe. “Eu e o Cláudio éramos péssimos com bola”, conta Fernanda Torres, referindo-se ao irmão diretor. “Por isso virei atleta biônica.”

Jamais entrar no quarto sem bater ou ir à casa dos filhos sem avisar. Mas permitir que eles entrem em casa a qualquer hora. “Acho até que eles têm a chave de casa”, diz Fernandona. “Não tenho, mamãe, você não me deu”, rebate Fernandinha. “Ah, mas procure que deve estar na sua casa.”

Ter permitido que a filha saísse de casa aos 17 anos. “O Fernando (Torres) custou a se adaptar, mas eu achei uma coisa deliciosa”, diz Fernanda Montenegro. “Nos apartamentos, ou os pais se confinam num quarto, ou os filhos vão para seus quartos. E fica uma casa dividida”, diz a veterana atriz. “É melhor que eles morem sozinhos, para poder ouvir sua música, receber seus amigos. Isso não é desamor, pelo contrário”, diz. “Eles vão, mas depois voltam.”

Ter apartado brigas porque a menina era chamada de “anta” pelo irmão Cláudio, dois anos mais velho. “A Nandinha era levada, mas às vezes reclamava do irmão”, ri Fernandona. “Ele a chamava de ‘anta’ por causa do bordão do Jô Soares”, completa. “Ah, vou falar para o Jô, não sabia disso!”, diz a filha.

Ter prometido a Fernandinha, fanática por piano (na sessão de
fotos de Gente, ela não resiste e toca um pouco), as 32 Sonatas
de Beethoven.

Saber que a filha é mandona (na sessão de fotos, ela dava sugestões o tempo todo, para a mãe inclusive). E ter ouvido o neto Joaquim dizer: “A mamãe manda no papai, mas ele não obedece”.

Ter perguntado à filha em que floresta ela irá abandoná-la, quando for bem velhinha. “Porque assim como existem João e Maria, largados pelos pais, tem os filhos que largam os pais”, diz Fernandona. “Que horror, mãe!”, exclama a filha. “Como a Fernandinha não respondeu, desconfio que ela não vai me largar numa floresta.
Fonte:Isto é Gente

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