sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Fernanda Torres ‘‘Se passa a Juliana Paes na rua, eu olho’’

Entrevista 2007


Em cartaz no teatro, a atriz diz que é muito diferente do
marido, Andrucha Waddington, conta que é obcecada
por escovar os dentes, gosta de ter virado popular na
tevê e fala do assédio aos símbolos sexuais




Há quatro anos, Fernanda Torres cumpre um ritual na virada do ano. Com as próprias mãos, ela, como diz aos risos, “pega uns paus no mato” e com barbante constrói uma jangada – com quilha e mastro – do tamanho de uma cadeira. À meia-noite, ela e amigos depositam os pedidos dentro da miniembarcação, que é lançada ao mar. Certamente, a atriz fez menção, na sua listinha de pedidos, a dois projetos para 2007. Um programa de tevê (A Minha Estupidez), escrito e apresentado por ela provavelmente no GNT, e uma peça, igualmente escrita por ela. De volta a São Paulo com A Casa dos Budas Ditosos, monólogo sobre as memórias de uma libertina de 68 anos, adaptado do romance de João Ubaldo Ribeiro, a filha de Fernanda Montenegro está casada com o diretor de cinema Andrucha Waddington e, aos 41 anos, é mãe de Joaquim, de 7.

Você escreveu num artigo que teve vergonha de representar ao ver o diretor Hector Babenco entediado na platéia de A Casa dos Budas Ditosos.
O Babenco não gostou da peça. O bom é que o artigo é o triunfo do fracasso. As vaias que eu levei são emocionantes! Não querem dizer que eu morri ali. A vida não acaba num fracasso ou num sucesso. Olho pra trás e não consigo discernir um grande fracasso de um grande sucesso. Tiveram a mesma importância. Bom, o Babenco me ligou depois de ver a peça. Estava desesperado e disse: “Vou ver de novo”. Falei: “Ah, não, Babenco. Foi terrível o suplício. Não há como você gostar”. E ele: “Mas todo mundo gosta”. Fui jantar com o Babenco, depois, a gente riu muito.

A libertina que você interpreta diz que “toda fantasia, quando realizada, é um saco”. E você, o que diz?
Não sei. Às vezes, a fantasia é melhor do que a realidade, o gostoso é alimentá-la. Mas, às vezes, faça, viu!, porque você pode ter grandes alegrias. A libido, independente de namorar, transar com alguém ou não, é uma moeda de troca maravilhosa, algo a ser exercido.

Esclareceu alguma dúvida sexual com a peça?
O Ubaldo escreve que dos 35 aos 40 e poucos é a melhor idade da mulher. Concordo e até falava de boca cheia. Na peça, ela (a personagem) diz isso, conta dois casos e pula para 68 anos. Eu vou fazer 42. O “poucos” é antes do 45! A minha grande dúvida é: o que vai ter nesse intervalo? Perguntei ao Ubaldo e ele (imitando a voz do escritor): “Vou pensar a respeito”. Um amigo disse que 40 anos é o auge da potência, porque você ainda lembra você mais nova, ainda é você e já está madura. Atualmente, tenho filho, marido, pai, mãe, irmão, sobrinho. Tá todo mundo comigo! Por outro lado tem o efeito colateral: passa – e rápido!

Percebe isso na pele também?
Começa a ter ruga, os poros vão abrindo. Você perde o tônus, a água do corpo. Uma amiga mais velha disse que a pele descola do músculo e do osso. Essa é a sensação que começo a perceber. Mas me vejo com 41 anos. Não estranham quando eu falo a idade. Eu sou do tempo da Embrafilme, ninguém me dá 25 (risos)! Mas dei uma emagrecida, ganhei músculos, melhorei. Ao mesmo tempo, sinto as juntas – o joelho, o tornozelo – para correr.



Você tem escrito para teatro, cinema e tevê. Escrever é uma forma de relaxar?
É também. Adoro chegar em casa, fechar a porta do quarto, sentar na cama e escrever. Escrever é a solidão mais maravilhosa da existência. Mas tenho vergonha de dizer que escrevo, porque sou amiga do Ubaldo. Aí, ele me manda um e-mail e vejo que não posso dizer que escrevo! Guardo todos os e-mails do Ubaldo e os respondo com medo: “Será que é essa a vírgula? Exceção é com ‘sc’”? Sou desse nível, que tem dúvida em exceção, essencial. Fui ver o show do Chico (Buarque)... é um grau de poesia, de conhecimento da língua, que tenho vergonha. Vim do teatro de improviso, onde a gente era analfabeto para ler um texto mas sabia improvisar. Vamos dizer que, da minha geração de analfabetos, eu seja semi-alfabetizada.

Freud dizia que a mulher é um continente obscuro.
Conhece-se bem?
Sim, com desconfiança. Conheço as situações que me deixam desconfortável e como reagir. Quando trabalho muito e não tenho tempo de reflexão, de ficar com meu filho, ler um livro, fico de mau humor, a bochecha cai, a cara fica infotografável. Aprendi a me proteger de situações que eu ache que vou virar um ser horrível. Não gosto de ser um ser horrível. O meu problema é sob estresse. Sob estresse, sou horrível. Fico irritada a ponto de ser violenta verbalmente. Não de xingar, mas de dar show.

Tem alguma mania engraçada?
Um médico me ensinou, há uns dez anos, a escovar os dentes. Que tinha de ser tantas vezes cada face do dente, três aqui, três embaixo... Escovar meus dentes virou uma obsessão! Às vezes, estou cansada, louca para dormir, mas tenho de es-co-var ca-da fa-ce. O Andrucha é bem mais rápido. Ele me olha e fala: “E aí, Nanda, é pra ontem?”. E eu lá! (risos). Eu e o Andrucha somos muito diferentes, muito diferentes... Aliás, totalmente diferentes! Ele é notívago, eu, diurna. É incrível termos nos encontrado, porque não fomos feitos um para o outro (risos). Mas são as melhores relações.

Alguém manda mais na relação?
O Joaquim, um dia, soltou uma frase genial: “A minha mãe manda no meu pai, mas ele não obedece”. O Joaquim virou menino, está mais independente. O olho dele é igualzinho ao meu. O miolo da cara é igual à minha, preso no corpo do Andrucha (risos).

Reconhece o Pedro Bial, com quem você viveu por dois
anos e meio, à frente do Big Brother ou acredita que ali
ele vista uma entidade?
Tenho nervoso de ver Big Brother, do voyeurismo na tevê, mas não que não deva ser feito. Isso não desmerece a experiência antropológica de ter um Big Brother. E o Bial é incrível. Por um lado é superculto, inteligente, o correspondente internacional, e por outro é jogador de basquete, popular! Ele tem a ver com o Big Brother! Vem do esporte. Ele tem a coisa da garra, do time, da disputa, do torcedor, sabe o que é isso. E é superbonito. Como é mesmo? Gato Miau? Não, Pedro Miau, repórter e gato (risos).

Você fez poucas novelas. Sofre o mesmo assédio de uma atriz que está todo dia na tevê?
Passei 15 anos com uma vida alternativa ao mainstream, que no Brasil é a tevê, e sentia falta. Aqui, o bom é fazer teatro, cinema e tevê, que todas as áreas lhe achem parte dela. Quando veio a Vani (personagem de Os Normais, da Globo) foi maravilhoso, porque eu já tinha desistido de chegar na tevê. Eu não sabia por onde iria ser, de uma maneira popular. A Vani me tornou popular.

Mas e o assédio?
Sempre foi tranqüilo. Uma vez, saindo com o Luiz (Fernando Guimarães), as pessoas em cima dele, ele me fala: “Porra, Nanda,
você não tem esse problema no shopping?”. Respondi: “Luiz, sou menos famosa, menos simpática (risos) e menos engraçada do que você”. Posso ir onde eu quiser. Só não faço supermercado porque
tenho preguiça, hoje tem telefone, né? Uma vez, fiz um filme com o
José Mayer numa tribo de índios. Em cada cidade que chegávamos,
ele ficava na prefeitura, preso. Porque as mulheres batiam umas para
as outras e aí virava furor uterino mesmo! Tinha de jogar água fria! Malu (Mader) já falou que ficou presa em shopping. Já vi Fábio Assunção
sair de shopping arrastado. Então, quando tem o negócio do símbolo sexual, o ser Juliana Paes... eu olharia! Se passa a Juliana Paes na rua, eu olho (risos).

Qual a primeira imagem que você tem da sua infância?
Árvores de São Paulo, a rua Sumarezinho, o Butantã, para onde ia com meu pai, o cheiro... O Edson Celulari usava um perfume no (filme) Inocência (de 1983) e, onde quer que eu vá e tenha aquele perfume, o Cirino (personagem dele) se materializa! Cheiro puxa a memória. Tenho também uma imagem muito doida de uma experiência fora do corpo, com 4 anos. Eu me vi de fora de mim, de calcinha, no meio da sala, loirinha, cabelo comprido. Pensei: “Eu sou eu”. Foi a primeira vez que entendi que eu era alguém, que eu existia. Imediatamente voltei para dentro de mim e vi a janela. E não foi um sonho que eu tive – talvez tenha sido, não sei. É a imagem mais antiga.



"Sob estresse, sou horrível. Fico irritada a ponto de ser violenta verbalmente. Não de xingar, mas de dar show”, diz Fernanda


Fonte:Isto é Gente

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